QUE VIVA A SOCIEDADE SANITÁRIA
Dr. Eraldo Bulhões
Diretor do SinMed/RJSe a Vigilância Sanitária está adormecida não sabemos, mas somente a
vigilância sanitária não adianta. Carecemos de uma consciência geral:
uma sociedade sanitária. Consciência essa que já vem crescendo em
relação ao tabagismo, alcoolismo, a poluição, dengue, febre amarela,
as doenças infecciosas, drogas etc.
Um dia "D" da dengue é insuficiente. No último que foi realizado um
fato marcante foi a iniciativa do poder público em providenciar a
retirada das carcaças de automóveis da Avenida Presidente Vargas, no
Rio de Janeiro, e acabar com os macro-focos de Aedes aegypti nos
ferros-velhos. Ficamos 60 anos sem o mosquito desde que o sanitarista
Oswaldo Cruz acabou com os grandes focos existentes nas mini-caixas
d'água (vasos de flores) dos cemitérios pondo areia nos recipientes.
Naquela época, a população carente morava em barracões de zinco e
neles as águas das chuvas não se acumulavam. Na década de 60, com as
construções de alvenaria, a infestação recrudesceu em grande escala,
principalmente pelo aumento da população e a aglomeração nas precárias
habitações que acumulam as águas das chuvas em suas concavidades.
O que o Aedes quer? Sangue humano, porque precisa de proteína humana
para amadurecer o embrião do mosquito que contém o vírus.
Os ovos ficam mais de 300 dias em local seco com o embrião aguardando
as águas para eclodir numa temperatura de mais de 40º C. O mosquito
não põe o ovo dentro da água, põe-no em local seco. Faz isso na caixa
d'água, onde se forma um anel acima do nível da água, e nas lajes,
local que habitualmente acumula água, formando até uma mancha
esverdeada (limo). Esse ambiente reduz o ciclo biológico do
transmissor da dengue de 12 para 8 dias.
O Aedes quer água e sangue. A degradação das carcaças de automóveis,
cujos assentos ficam impregnados com o odor dos seres humanos, atrai
os mosquitos. Também as lajes, onde há objetos de todos os tipos e que
acumulam água, são verdadeiros quintais abandonados que propiciam a
proliferação de mosquitos. É necessário oferecer à população uma força
tarefa para ajudar a retirar os entulhos, latas, latões e objetos que
acumulam água nas lajes das habitações inacabadas.
Quando teremos uma política para financiar a melhoria das 700 mil
construções de alvenaria, lajes e habitações inacabadas no Rio de
Janeiro? Isso poderia ser feito através de recursos do BNDES, com a
implantação de captação de energia solar e com a economia propiciada
de 30% dos custos da energia (água quente) e com a redução dos
"gatos", na medida em que haja a regularização das instalações
elétricas (Light). Também ajudaria utilizar o reservatório da água das
chuvas para o uso de jardinagem e limpeza doméstica: a ecologia
contemporânea contra o aquecimento global.
A saída é essa. O governo deve fazer a sua parte e retirar a
degradação, ajudando a recuperar as habitações inacabadas sem
criminalizar a dona de casa, vista hoje como vilã, afinal, os
moradores já tiraram as águas dos vasos e não têm pneus dentro de
casa.
As autoridades assumem uma postura autoritária ao tentar vender a
idéia de que a população precisa fazer a sua parte. É preciso entender
que a população paga impostos há anos e que, diante desse quadro, não
deve esperar pela vigilância sanitária, pois está provado que ela é
insuficiente. É importante a conscientização de todos para a
necessidade de criarmos uma sociedade sanitária, que assuma o controle
social também da vigilância sanitária.
Atualmente a crise da saúde chegou aos mais elevados patamares da
Medicina no capítulo da Propedêutica Médica e dos conceitos da Saúde
Pública no que tange à definição de ingresso do paciente no Sistema de
Atendimento, conceituado como Porta de Entrada. O conceito de Porta de
Entrada não é simplesmente o registro da pessoa, até aí não podemos
dizer que o paciente ingressou no Sistema. Os fundamentos da
Propedêutica Médica nos levam à Porta de Entrada quando estabelecido o
registro da pessoa, a anamnese (30 minutos), o exame físico (30
minutos), a suspeita diagnóstica, os exames complementares, o
diagnóstico e o prognóstico. Neste momento se consolida, do ponto de
vista do atendimento, a conceituada Porta de Entrada do paciente no
Sistema. A população não pode só assistir a esta situação sem se
organizar em todos os níveis, desde o controle social, e
principalmente na conscientização de todos os cidadãos por uma
sociedade sanitária ativa. Diante da Síndrome do Esgotamento
Profissional estamos assistindo à morte da Porta de Entrada, da
anamnese, do exame físico, da suspeita diagnóstica, do diagnóstico e
do prognóstico.
Determinadas patologias como a dengue, meningite etc., se a Porta de
Entrada não for pelos parâmetros da Propedêutica Médica, podem ser
fatais, no caso da dengue, num período de 10 dias. A população deve
conhecer a fundo a crise da saúde em todo o seu contexto e se
conscientizar da importância da vigilância através da busca da
sociedade sanitária, no trabalho, nas escolas e na comunidade.
No Fórum Econômico Mundial em DAVOS, na Suíça foi premiado o
cientista que criou o Aedes transgênico para competir através do
controle biológico e eliminar o Aedes aegypti natural em médio prazo.
A Sociedade Sanitária deve barrar esta experiência laboratorial
transgênica, pois não se sabe as conseqüências futuras desta
iniciativa.
Em 1981 na epidemia de Dengue em Cuba (cepa 1 e 2)
houve 146.000 internações, 24.000 casos de dengue hemorrágico, 10.000
casos de síndrome do choque da dengue, 158 mortes, a maioria crianças.
Essa epidemia é semelhante ao quadro que está ocorrendo no Rio. Não
há inverno para dengue na cidade. A situação é grave, a perspectiva é
de ter milhares de casos que podem até passar de 200 mortes sendo dois
terços em criança. Nestes anos temos combatidos as orientações do
município que orientam às pessoas com sangramento a acorrerem a um
hospital em uma doença que mata em 10 dias, sem valorizar a febre. A
nossa orientação é dar ênfase à febre. E na dengue a equação é: "febre
é igual a hemograma >Plaquetas, hematócrito, vhs no 1º e 4º dias" e
não dar alta após a febre, no que chamamos a curva da morte .Plaquetas
abaixo de 50.000 hidratação venosa.
Os meios de comunicação são vítimas da orientação
oficial, e desconhecem que o mosquito não põe ovos em água parada
mas em local seco, pois precisa de calor para a eclosão dos ovos onde,
em seguida, o embrião cai na água. Isto faz grande diferença porque
em uma laje os ovos são depositados nos locais aonde já teve água
(mancha esverdeada) e fica aguardando por até 300 dias pelas chuvas.
A miopia epidemiológica não enxerga esta situação e os macros focos
continuam com milhões de ovos nas habitações inacabadas.
Temos que fazer o PAC da dengue reformando as
habitações inacabadas, verdadeiras mansardas do Aedes aegypti.
Rio de janeiro, 20 de fevereiro de 2008
Dr.Eraldo Bulhões
Martins médico – clinico geral